quinta-feira, 6 de julho de 2017

O Pelé do basquete

Ano passado, falamos aqui sobre a camisa 10 do basquete (relembre clicando aqui). Desta vez, falaremos sobre quem seria, no basquete, aquele que foi o maior camisa 10 --e qualquer número-- da história do futebol.

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         É comum, especialmente no Brasil, referir-se a algum profissional de talento especial ou com feitos grandiosos como “o Pelé” da área. Nas comparações entre esportes, isso é ainda mais visível. Nomes das mais diversas modalidades são eleitos e alçados à posição de “Pelé”: Michael Phelps, na natação; Usain Bolt, no atletismo; Roger Federer, no tênis. E no basquete convencionou-se um nome: Michael Jordan.        

        Entre todas as personalidades citadas, uma semelhança: o fato de serem ícones globais, as maiores referências dos respectivos desportos, e todos eles terem grande exposição midiática, não apenas por parte da imprensa dita especializada mas também da publicidade e do marketing.

        No entanto, a analogia de tais atletas com Pelé irá incorrer em um erro básico: todos eles pertencem a gerações posteriores à do “rei”. A rigor, não há nenhum problema, pois todas as épocas produzem gênios. Porém, as razões para tais escolhas divergem.

        Em se tratando de esportes individuais, os recordes obtidos são a métrica mais objetiva e rápida, embora também possa haver questionamentos relacionados à forma como tais números tenham sido galgados; já nas modalidades coletivas, a subjetividade vai pesar muito mais.       

        Pelé teve seu auge quase sem registro da televisão; nunca concorreu à Bola de Ouro; ganhou Libertadores e Taça Brasil em 3, 4 partidas; marcou boa parte de seus gols em jogos não-oficiais ou em ligas hoje consideradas menores; diversos de seus adversários não eram profissionais na acepção da palavra; a velocidade do jogo era sensivelmente menor; e não havia a intensidade física, tática ou disciplinar presentes no futebol atual.
        
        Por outro lado, há que se pensar na precariedade de gramados e materiais esportivos na época, na excessiva marcação sofrida por Pelé -- numa época em que ainda não havia cartão vermelho! --, e também no fato de que, num tempo onde o futebol ainda não era negócio, havia mais liberdade criativa e, consequentemente, mais espaço para o talento individual. Além disso, mesmo que em amistosos, enfrentou diversos clubes europeus em vários momentos.
        
        Basicamente, Pelé ascendeu à categoria de maior nome da história da modalidade por dois fatores: 1- estava muito à frente de seus contemporâneos em termos técnicos e no preparo físico, desenvolvendo habilidade em praticamente todos os fundamentos (ele chegou a defender um pênalti!); 2- conquistou números impressionantes, algumas de suas marcas sendo desvalorizadas ou mesmo desacreditadas na atualidade dado o absurdo (esqueça o “milésimo” e pense em 8 gols num mesmo jogo, 127 em um ano ou média de quase 1 por partida).
Pelé marcou 1,283 gols ao longo de sua carreira
         Tanto os prós quanto os contras citados com relação a Pelé não encontram paralelo em Michael Jordan.        

        É óbvio: seu currículo é monstruoso e fala por si só: campeão da NBA 6 vezes (e em todas elas escolhido o melhor jogador da Final) e 5 vezes eleito o craque da temporada, é dono de algumas marcas importantes, como o maior número de pontos em um jogo eliminatório ou mais partidas em sequência anotando pelo menos 10 pontos. Além disso, seu sucesso fora das quadras, seja como garoto propaganda, como empresário ou “embaixador do basquete”, é ímpar.

        Entretanto, diferentemente do que acontece no futebol, o fato de muitas mudanças mercadológicas, técnicas, tecnológicas, táticas e físicas terem ocorrido no esporte não pesa contra ele: pelo contrário, questionados são aqueles que o antecederam.        

        Larry Bird, quando perguntado sobre o maior jogador da história do Basquete, foi sucinto: "Deixa eu te falar uma coisa: durante um tempo, eles diziam que eu era o maior de todos. Antes de mim, era Magic [Johnson] o maior. E agora é a vez de Michael [Jordan]. Mas abra o livro de recordes do Basquete e vai ficar óbvio quem é o maior".

Michael Jordan e Wilt Chamberlain dividem o recorde de 30,1 pontos por jogo

        Poucos anos antes de Jordan nascer, Wilton Norman Chamberlain fazia sua estreia na NBA.

        “Wilt”, como era conhecido, foi autor dos feitos mais inacreditáveis da história do basquete: muito mais do que marcar 100 pontos em um só jogo -- e isso não é uma hipérbole --, ele registrou marcas absurdas não apenas no ataque, mas também na defesa, na armação e na eficiência.

        Jogando por três equipes diferentes, pode-se dizer, também, que ele foi três jogadores diferentes. E cada um deles está entre os melhores de todos os tempos.

        O Chamberlain do Golden State Warriors foi o mais dominante pontuador que o Basquete viu ou verá: na temporada 1961-62, ele disputou 80 partidas e teve como PIOR desempenho 26 pontos. Sua média naquele campeonato foi de 50,4 pontos por jogo, algo que parece uma loucura sob qualquer aspecto que se analise. Apenas como comparativo, a melhor temporada de Jordan em pontuação aconteceu em 1987-88, quando ele teve... 37,1 por jogo.

        Outros fatos impressionantes: dentre as 10 maiores pontuações da história, 6 são de Chamberlain; em 66 partidas diferentes ao longo de 70 anos de NBA um jogador marcou 60 ou mais pontos -- Chamberlain é responsável por 32 desses jogos; Wilt marcou pelo menos 50 pontos em 122 partidas, um recorde: do segundo (Jordan, 39) ao sétimo da lista, a soma é de… 122 jogos; em 126 partidas SEGUIDAS Wilt marcou pelo menos 20 pontos -- o segundo melhor desempenho é dele mesmo (92 jogos); por fim, Wilt é o único jogador a marcar mais de 4 mil pontos em uma única temporada.


        Ele foi cestinha da temporada 7 campeonatos seguidos, um recorde que só seria igualado por… Michael Jordan.
                “A razão pela qual as pessoas não acreditam nos números de Wilt é que eles foram tão grandes, tão inimagináveis, que quase não parecem ser verdade. Então tentam diminuir a era em que ele jogou e os adversários que enfrentou. As pessoas não conseguem compreender aquilo, coisas que ele fazia quase todo jogo e toda noite. O que resta é tentar encontrar um jeito de desprezar ou abandonar esses feitos, tentando fazê-los parecer irreais”.

                (Bill Russell, jogador com mais títulos na história da NBA)

        No início de 1965, Chamberlain se mudou para o Philadelphia 76ers. Lá, ele continuaria pontuando muito bem (em 4 temporadas na equipe ficou sempre entre os 3 maiores pontuadores), mas passou a funcionar como um organizador da equipe, dando assistências com frequência e volume incríveis.

        Em 1968, na vitória diante dos Pistons, Wilt marcou 22 pontos, apanhou 25 rebotes e deu 21 assistências. Duas marcas intransponíveis surgiam: é o maior número de assistências já alcançado por um pivô, e a única vez que um mesmo jogador atingiu duas dezenas nos três fundamentos. Ele marcaria 31 triplos-duplos naquela temporada, o que é mais do que Jordan -- ala-armador -- conseguiria… ao longo da carreira.

        Naquele campeonato, Wilt totalizou 702 assistências nas 82 partidas que realizou. A absurda média de 8,6 passes para cesta por jogo é a maior já obtida por um atleta das posições 4 (ala-pivô) ou 5 (pivô), e supera melhor performance de Michael Jordan no quesito: 8,0 por partida.

        Outro fator que Wilt desenvolveu e aprimorou em seu tempo nos 76ers foi o aproveitamento de arremessos. Se no tempo dos Warriors sua massiva quantidade de pontos devia-se em parte à grande quantidade de bolas que ele arremessava, nesta nova fase ele passou a errar cada vez menos: ele acertou um total de 35 cestas de forma consecutiva (4 partidas), incluindo um jogo com 18 arremessos e 100% de acerto.

    Seu aproveitamento na temporada 66-67 foi de 68.3%, um recorde para a época e que seria superado somente por ele mesmo -- Jordan nunca chegou a ter 54% de aproveitamento em uma temporada.

        Em 1968, Chamberlain foi negociado com os Lakers. A equipe de Los Angeles enviou três jogadores para a Philadelphia em troca do pivô. Lá ele se tornaria o primeiro atleta da NBA a receber mais de 1 milhão de dólares de salário.

        Wilt chegou como estrela principal num time que já tinha dois jogadores geniais: o ala-armador Jerry West e o ala Elgin Baylor. Dois craques, espetaculares pontuadores, mas que não conseguiam de forma alguma o título. Se formava ali o primeiro “Superteam” da história, termo tão comentado na NBA atual.

O primeiro "Big Three" da história: Baylor, Wilt e West
        Como Baylor e West concentravam a pontuação dos Lakers, Wilt passaria a viver sua terceira versão como jogador: ele seria o maior defensor do planeta. Isso não significa que ele não conseguia mais pontuar: diante da desconfiança, Wilt marcou 60 pontos e depois 66 num intervalo de duas semanas -- ele se tornava, assim, o jogador mais velho a marcar mais de 60 em um jogo (e essa marca permanece até hoje). No Jogo 6 das Finais de 1970, Wilt marcou 45 pontos -- ou máximo já atingido em uma partida de “vida ou morte”.

        Sua grande contribuição, porém, se daria nos “tocos”, ou bloqueio de arremessos. Por exemplo, no Jogo de Natal de 1968, transmitido nacionalmente pela TV, Wilt deu nada menos do que VINTE E TRÊS tocos nos jogadores do Phoenix Suns. Para se ter uma ideia, desde então o máximo registrado em um jogo foi de 17. Paralelamente, Wilt mantinha sua eficiência nos arremessos, alcançando o recorde percentual em 1973 (72,7% de acerto, feito ainda não superado).

        Como consequência, os Lakers estabeleceram uma marca que não tem previsão de ser batida: foram 33 vitórias seguidas, recorde não apenas no basquete, mas em todos os esportes americanos. O pilar desta incrível sequência? Pat Riley, um dos jogadores daquele time e futuro técnico da franquia, afirma: “Acho que não há nenhuma dúvida de que no ano em que fomos campeões a grande diferença foi Wilt”.     

        Uma característica do jogador Wilt Chamberlain merece destaque e permaneceu intacta mesmo em suas mudanças de time: os rebotes.

        As maiores marcas relacionadas aos ressaltos pertencem a Wilt: foi ele quem mais apanhou rebotes na história (23.924), em uma mesma temporada (2.149), em uma série de Playoffs (220), em uma partida (55) ou em um jogo eliminatório (41). É também dele o maior número de temporadas como o líder na categoria (11) e as maiores médias de rebotes por jogo ao longo da carreira (22,9) e em Finais (24,6).

        Tamanho domínio, embora inquestionável, causou um imbróglio para a famosa revista Sports Illustrated: em 1996, o fascículo realizou uma pesquisa com jogadores, ex-jogadores, jornalistas especializados, dirigentes e técnicos, perguntando quem seria o melhor “rebounder” de todos os tempos. A resposta foi Wilt Chamberlain. A capa trazia Dennis Rodman.

           Outro aspecto que mostra não apenas sua regularidade, mas também o comprometimento com a equipe e a lealdade aos companheiros de profissão: Wilt Chamberlain terminou sua carreira profissional sem jamais ter excedido o limite de faltas. Em 1,205 partidas, ele nunca foi “expulso”, mesmo sendo recordista de minutos em quadra (dos 48 minutos regulamentares, ele atuava em uma média de 45,8). Novamente, vale a comparação: Michael Jordan foi obrigado a deixar a quadra 11 vezes na carreira.
Wilt Chamberlain marcou 4,029 pontos na temporada 61-62

            Afinal: Chamberlain não tinha nenhum ponto fraco, nenhum aspecto negativo em seu jogo? Tinha, sim: Wilt era ruim nos lances-livres. Seu índice de aproveitamento na linha era de pouco mais de 50%. Mas mesmo em seu “calcanhar de Aquiles”, ele era capaz de se superar e surpreender: o recorde de lances-livres convertidos em uma temporada é de Jerry West (840), é o segundo da lista é Wilt, com 835. O terceiro é um certo Michael Jordan, com 833. Além disso, Wilt tem o recorde de acertos em uma única partida: foram 28 (em 32 tentativas!).
            “O problema de Wilt Chamberlain é que ele estabeleceu limites tão altos que era difícil conseguir se manter em seus padrões. Havia noites em que ele marcava 40 pontos e pegava 30 rebotes e nós sequer estanhávamos o olho. Só dávamos um tapinha nas suas costas e dizíamos: 'Bom jogo, garotão’”

                (Billy Cunningham, atleta presente no Hall da Fama do Basquete e um dos poucos a ser campeão da NBA como jogador e treinador).
Chamberlain é o único atleta a marcar 100 pontos em um jogo da NBA


        A importância de Wilt para a história do basquete não foi apenas simbólica: como afirma Phil Jackson, técnico campeão 11 vezes (6 com os Bulls de Jordan e 5 com o Lakers de Kobe Bryant), "[Chamberlain] foi o cara cujo impacto causou mudanças nas regras do jogo. Ele mudou o Basquete por dentro".      

        Dentre as mudanças causadas por conta do domínio de Wilt, alterações nas regras de reposição de bola -- passou a ser proibido lançá-la por detrás da tabela --, interferência na cesta -- estabelecendo limites de distância e trajetória da bola com relação ao aro -- e nos lances-livres -- se tornou obrigatório que o arremessador não “andasse” ou apanhasse o próprio rebote.        

        Mas a maior das mudanças foi no tamanho do garrafão: até a temporada 1964, a distância lateral era de 12 pés (ou 3,60m). Mesmo com a regra dos 3 segundos -- um jogador de ataque não pode permanecer por mais do que três segundos na área --, Wilt conseguia chegar à cesta com extrema facilidade.

        Para 1965, o tamanho do garrafão aumentaria: passou para 16 pés (ou 4,80m). A expectativa era diminuir o ritmo de Wilt. Em vão: ele foi cestinha nos dois anos seguintes, conseguindo 34,7 -- 12ª melhor marca da história, sendo que 5 das 6 primeiras são de Wilt -- e 33,5 pontos de média, respectivamente: raros atletas conseguiram tais médias nas últimas duas décadas. Vale lembrar que não havia linha de 3...

        Além das mudanças práticas e diretas, Wilt também influenciou o jogo de diversas formas: a chamada “cravada” (o termo “Slam Dunk”, inclusive, foi cunhado a partir dele), o “fadeaway” ou o “finger roll”, arremessos muito eficientes e comuns hoje em dia, foram criados ou desenvolvidos por Wilt, ora por necessidade (dores nos joelhos), ora por decisão (era criticado por se beneficiar de sua altura).

        É ele também quem introduz a “testeira” no esporte (LeBron James a usou por anos), quem eleva a fisioterapia esportiva a outro patamar e quem muda a perspectiva do jogador de basquete como atleta profissional, não apenas em termos de remuneração mas também de posição social.

        Em 2011, numa entrevista via rádio, Scottie Pippen falava das comparações entre LeBron e Jordan, tecendo enormes elogios a ambos e afirmando que o atleta do Cavaliers “poderia superar” Jordan como o maior de todos os tempos. Dentre as muitas reações a tais comentários, uma se destacou: Kareem Abdul-Jabbar, o jogador que mais marcou pontos na história da NBA, escreveu uma carta aberta para Pippen intitulada “Como eles esquecem rápido”.
        
       No texto, ele deu tremendo destaque a Wilt Chamberlain. Seus comentários são definitivos.
        “Obviamente você nunca viu Wilt Chamberlain jogar; sem dúvidas ele foi o maior pontuador que o basquete jamais conheceu. Por acaso Michael Jordan marcou 100 pontos em um jogo? Quantas vezes ele marcou mais de 60 pontos numa partida? MJ tem que ser avaliado na perspectiva correta: sua incrível habilidade atlética, seu carisma e liderança nas quadras ajudaram a tornar o basquete um esporte popular ao redor do mundo – não há como negar isso. Mas em se tratando de grandeza ele fica atrás de Wilt.
        (...)
        O fato de agora haver jogadores habilidosos de toda parte do mundo não significa uma aumento na quantidade de talento. Para ser bem claro: o número de jogadores que poderiam ter enfrentado Wilt Chamberlain em seu auge não mudou”.

    A bem da verdade, talvez devêssemos nos referir a Pelé como "o Chamberlain do futebol".

    Marcel Pilatti

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Pôr do sol

O apreciador de esporte que, assim como eu, nasceu nos anos 80 não está acostumado a ver seus "heróis" envelhecerem. Sem exceção, os craques que nós vimos marcando o gol do título, vencendo em Roland Garros, chorando com a medalha de ouro, "chutando" a última cesta de três pontos ou dando um show pilotando a velocidades inacreditáveis ainda estão por aí.

Volta e meia vemos um jogo apresentação do Guga, uma "pelada" com Zico, Ronaldo e Romário, etc. Com exceção de Ayrton Senna, que nos deixou muito antes do tempo, nossos heróis ainda tiveram tempo para nos proporcionar muitas alegrias ou em alguns casos, quase acabar com tudo que construíram enquanto na ativa.

Eu lembro vagamente do jogo de comemoração dos 50 anos do Pelé. Pra mim, ele era um idoso e apenas o personagem de histórias que eu ouvia falar. Alguns dias atrás acompanhei pelo Instagram as comemorações do aniversário de 50 anos do "meu Pelé", Romário. Eu engoli a seco essa notícia. Lembrei que agora olho no espelho e os cabelos brancos estão cada vez mais perceptíveis.




A idade chega para todos, e para um atleta profissional, bem sucedido, ela chega rápido demais. Não deve ser fácil ser o destaque entre os amigos na escola aos 14, a promessa recém contratada aos 17, um símbolo do clube aos 21, herói nacional aos 24, melhor do mundo aos 28, uma decadência aos 30 e um aposentado aos 35. Acho que nenhum ser humano nasce preparado para esse tipo de aceleração no processo.

Agora multiplique este sentimento por 10. Isso é ser um quarterback de destaque nos Estados Unidos. É o que todos os meninos querem ser. Não importa quantas bolas você intercepte, não importa que você corra muito ou que siga o playbook e receba bolas impossíveis. O comentário será sobre o quarterback que "levou o time". Se você realmente for muito bom, este sentimento será ainda maior.

O jovem Manning
Peyton Manning é esse tipo de cara. Meio quieto, com o sotaque característico de New Orleans ele foi o melhor estreante da temporada 98. O único a ser escolhido 5 vezes o melhor jogador da temporada, recordista de quase tudo ao lado de seu alter ego, Tom Brady.

Eu poderia discorrer vários parágrafos sobre os prêmios e números de Manning, mas isso seria tão frio quanto falar dos números de Pole Positions de Senna. Para mim as duas melhores maneiras de explicar o que as Poles do Senna significam são a sua volta mágica em Monaco 88 ou o choro incontrolável do Schumacher após bater o recorde em 2000. Números são frios, assistir ao vivo os 7 touchdowns do Manning em 2013 é pura mágica.

Para entender um pouco disso, é preciso voltar no tempo. Entre 2003 e 2009 Manning era ídolo absoluto em Indianapólis. Líder dos Colts, levou o time a 2 Super Bowls, foi 4 vezes o MVP e alcançou números inacreditáveis. Mas um problema no pescoço fez com que ele tivesse que passar por uma cirurgia. Diversos fatores levaram a uma recuperação complicada e assim, pela primeira vez numa incrível sequência de 227 jogos ele não esteve em campo pelos Colts. 4 meses após a primeira cirurgia ele teve que passar por uma segunda e mais complicada.

Os chefões do time insistiram em deixa-lo na geladeira, e, mesmo ele estando recuperado a tempo de jogar, ficou fora de toda a temporada de 2011. Os Colts tiveram o péssimo resultado de 2-14 nessa temporada. Apenas a segunda vez desde que Manning entrou no time que eles venceram menos que 10 vezes.

No ano seguinte, com a primeira escolha no draft, os Colts contrataram Andrew Luck e despediram Manning, mesmo tendo que pagar uma multa milionária. A mídia após vê-lo ser trocado por um rookie, já considerava que os melhores dias dele haviam passado.

Foi então que os Broncos resolveram apostar nele. O time de Denver vinha de um período de 14 anos sem ir a um Super Bowl. Era a mistura perfeita para o que viriam a ser 4 incríveis anos.

Com uma temporada regular muito boa, e uma sequência de 11 vitórias, o time de Denver, mesmo ainda se acostumando ao seu novo quarterback, foi o primeiro colocado da AFC, perdendo naquele ano para o incrível Baltimore Ravens.

Já em 2013 a história foi diferente. Novamente com uma excelente temporada regular, o time foi embalado para os playoffs vencendo com autoridade o San Diego e conquistando o título da AFC contra o sempre forte New England Patriots. Foi então que mais um capítulo importante da história foi escrito.

O adeus de um mito
Manning é conhecido por ter problemas para jogar no frio. Seus números durante a temporada regular, que acontece entre o fim do verão e o começo do inverno são ótimos. Seus resultados durante os playoffs, que acontecem durante o inverno, são bem piores. Se a temperatura está abaixo dos -30C, seus números caem muito. A mídia americana fica maluca cada vez que ele vai jogar no frio. As mesmas perguntas são repetidas várias e várias vezes. É nítido o desconforto dele para responder estes questionamentos. E o Super Bowl de 2013/14 foi em meio a uma tempestade de neve. Não foi um jogo muito frio, mas o ambiente era super hostil. Mais um detalhe da vida de Manning.

Os gritos de "Omaha!" são famosos (tão famosos que fizeram a cidade de Omaha agradecer oficialmente no twitter pela "lembrança"), e é com ele que Manning guia seu ataque com maestria. Assistir um jogo dos Broncos em Denver, é ouvir uma sinfonia de Omahas. A torcida fica em silêncio, e ele invariavelmente força a defesa adversária a se adiantar e cometer faltas (muitas faltas).

O Super Bowl de 2013 foi contra os Seahawks. Um time super conhecido por sua torcida barulhenta. Os fãs do Seattle são conhecidos como os "12". A ligação entre torcida e time é tão grande que a camisa n.12 foi aposentada. Os 12 viajaram em peso para o Super Bowl com uma única missão, não permitir que ninguém ouvisse os comandos de Manning. Isso funcionou perfeitamente. O jogo foi horroroso, com erros que viraram famosos gifs animados. A defesa de Seattle foi implacável e assim mais uma vez todos decidiram que era o fim.

O ano de 2014 foi marcado por mais uma lesão e terminou de maneira melancólica quando os Colts, do agora já não tão novato Luck, venceram com autoridade os Broncos. Após o jogo ficou decidido que para a temporada 15/16 os Broncos teriam um novo técnico.

Entra em cena a última estatística impressionante de Manning. Sua habilidade de se adaptar. São 4 Super Bowls com 4 técnicos diferentes - Tom Brady por exemplo, esteve em 6 Super Bowls, todos com a companhia de Bill Belichick como seu técnico.

O relacionamento entre um Técnico e um Quarterback é muito importante. São eles juntos que definem as rotas de ataque. Normalmente o time e o técnico trabalham para o quarterback. Os jogadores são contratados para ajudar o quarterback. Manning não teve essa facilidade.

Esta foi sua primeira temporada com Gary Kubiak, que não cansa de elogiar a capacidade de adaptação e a velocidade em entender uma nova filosofia do camisa 18. Para mim, que sou um amante do planejamento, trabalho em equipe e dedicação que o futebol americano exige, Manning é o símbolo de tudo isso.

Manning é indiscutivelmente um dos 3 melhores quarterbacks que já jogaram. Seus números são incríveis mesmo com as adversidades que ele enfrentou. Há quem diga que em um ambiente tranquilo e estável como o que Tom Brady teve, ele teria facilmente mais do que uma mão cheia de anéis.

Nesse domingo, vimos história sendo escrita na frente dos nossos olhos. Manning alcançou sua vitória de numero 200 no Super Bowl de número 50. Esse tem tudo para ter sido seu último jogo.

"Omaha"
O mais próximo que eu como brasileiro consigo chegar de entender o que Manning acabou de fazer é comparando-o com Ronaldo na final da copa de 2002. A copa de Ronaldo "era a de 98", ele esteve acabado para o futebol por muitos. Nós sabemos o final da história. Manning acaba de fazer a mesma coisa. É impressionante observar todos que torciam contra usando o discurso: "Não me sinto tão triste pela derrota, porque foi incrível ver a redenção de um grande".

Ainda estou aprendendo a lidar com essa nova fase da minha vida, acompanhando o apagar das luzes das carreiras de tantos esportistas que me inspiraram e me fizeram torcer. Sei que assim como o sol se põe e nasce todos os dias, novos heróis e novas histórias irão aparecer, mas por um instante eu quero sentar, parar e aproveitar esse momento.

O sol pode estar se pondo, ele pode já não ser tão quente e o vento frio pode incomodar, mas o último suspiro do sol é sempre o mais bonito do dia.

Obrigado pelas horas de muito sol Manning, e muito obrigado pelo incrível por do sol.


Fellipe Brito

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

50th Super Bowl

Chegamos ao Super Bowl! Carolina x Denver!

Era o que todos os fãs do futebol americano estavam esperando. Os dois times que deixaram outros 30 para trás, cara a cara. Defesas e ataques se enfrentando pela glória, jarda a jarda. O troféu Vince Lombardi e os anéis de campeão.
Cam Newton lidera um Carolina implacável

O evento que paralisa uma nação de 300 milhões de pessoas, com direito não apenas ao jogo em si, como uma gama poderosa de entertainment. O show do intervalo sempre traz nomes de peso do cenário musical e os milionários intervalos são disputados às cotoveladas por empresas que produzem comerciais cada vez mais criativos. Para tudo que se vê, é um grande desfecho para um grande esporte.

Mas o Super Bowl também pode ser o começo. Basta mudarmos um pouco nosso ponto de vista.

Para muitos, o Super Bowl é um ponto de partida. Ora, com tamanha grandiosidade, é claro que o evento final de cada temporada da NFL atrai a cada edição, de forma magnética, novos fãs, curiosos para saber como funciona esse esporte aparentemente tão bruto.
O cobiçado troféu Vince Lombardi

Isso vale não apenas para as crianças que começam a assistir esporte na TV, como para públicos aos quais o futebol americano vem se expandindo, como é o caso do Brasil.

Sobre essa expansão no Brasil, pouco precisa ser dito. É um processo fantástico, de novos fãs a cada rodada, prontos para entender as regras que, se partirmos da premissa que o jogo nada mais é do que conquista de território, podemos entender com mais facilidade suas minúcias.

E não tenho dúvidas de que este Super Bowl irá angariar ainda mais fãs desse esporte. E esses novos fãs trazem consigo um conceito que é fantástico: como no futebol americano é preciso entender as regras básicas, o novo fã cria automaticamente o conceito de apreciação ao esporte.

O fã de futebol americano adora fundamentalmente o jogo. Não é um mero torcedor de um só time, ligado num mundinho binário e fechado de “ganhou ou perdeu”. Pode até ter um time favorito (o meu, por exemplo, é o Indianapolis Colts), mas não deixa de admirar outros atletas e outras equipes que façam um bom trabalho e que também sejam exemplo no esporte.

Essa cultura de apreciação do esporte, em detrimento do “torcedor de um time só” é algo que se vê com muita raridade aqui no Brasil, em que fomos condicionados desde a Era Vargas, passando pela Ditadura Militar, a “torcer por brasileiros” em vez de enxergar a beleza do esporte.

O futebol americano pode, sim ensinar essa cultura de apreciação dos esportes ao brasileiro. E a todo Super Bowl, se renovam essas esperanças, com mais fãs chegando para se entusiasmar com esse esporte.

P.S. 1: Eu mesmo sou um ‘filhote de Super Bowl’. O primeiro jogo que eu assisti por inteiro foi o SB XLIII, em 1º de Fevereiro de 2009, entre Arizona Cardinals e Pittsburgh Steelers. Nas semanas antes da partida, ouvi dizer que o quarterback Kurt Warner e o wide receiver Larry Fitzgerald eram uma dupla fantástica e que estavam levando o Arizona a avançar nos playoffs.
O famoso catch de Holmes

Pensei que não podia perder aquilo e, logo em meu primeiro jogo, assisti a uma das mais emocionantes edições de Super Bowl, com direito a uma interceptação com corrida de 100 jardas (isso mesmo, o campo inteiro!) pelo Pittsburgh. O Arizona não se deu por vencido, virou o placar, mas os Steelers venceram o jogo na última jogada, o famoso catch de Santonio Holmes no zerar do cronômetro, decretando placar em 27 a 23 para sua equipe.

Fiquei chateado pela dupla Warner-Fitz perder? De maneira alguma! Tinha acabado de assistir algo extraordinário, que passou a fazer parte do meu ‘calendário esportivo’ ano após ano.
Tempos depois, um querido amigo viajou para os Estados Unidos e trouxe pra mim a camiseta de jogo do Warner, que já estava aposentado. Desnecessário dizer quanto eu gosto dessa jersey... 

P.S. 2: Meu palpite para este Super Bowl? Está mais para vitória do Carolina Panthers. Mas tudo deve depender ainda dos primeiros momentos de jogo. Se o ataque avassalador do Carolina ‘encaixar’, game over, é título (inédito) pra Cam Newton e sua turma.
Manning merecia um título em sua aposentadoria

Mas sabemos dopoder da defesa do Denver Broncos, uma das poucas que pode segurar o avanço do rival. Caso a defesa realmente mostre seu valor, poderemos ter um jogo bastante truncado - e aí, sim, equilibrado e emocionante.

Sou um incansável fã de Peyton Manning, provavelmente o mais brilhante cérebro da história da NFL, mas que já está com um corpo cansado. Ele está obviamente em vias de se aposentar, então torço, sim, para que o Denver seja vencedor, ainda que o cenário aponte o contrário.

Seria um excelente prêmio para brindar uma carreira fantástica. É o típico atleta que, muitos anos mais tarde, provocam aquele suspiro saudoso:

- Sim! Eu vi Peyton Manning jogar... E como jogava...

Abração!

Lucas Giavoni