A grande notícia esportiva
desse final de ano, sem dúvidas, é esta: “Kobe Bryant supera Michael Jordan em
número de pontos marcados ao longo da carreira”. Mas o que exatamente isso
significa?
Pode não parecer nada: Bryant
não bateu nenhum recorde da NBA: ele
apenas assumiu a terceira posição dentre os principais pontuadores de todos os
tempos. Para que ele chegue ao recorde – do lendário Kareem Abdul-Jabbar –,
faltam ainda 6 mil pontos.
Além de não se tratar
exatamente de uma marca histórica (afinal, outros dois jogadores já haviam
atingido essa pontuação antes), outro aspecto que faz essa conquista de Bryant
parecer menor é o fato de tais números terem sido atingidos em contextos
completamente diferentes.
E aqui não se estabelece quem
teve mais dificuldades: Jordan conquistou muitos pontos em um período em que a
Liga passava pela chamada expansão,
quando muitos novos times passaram a figurar no campeonato – algo como a
promoção de divisões, no futebol – e teve 3 temporadas nas quais a linha de 3
pontos foi diminuída: em 1994-95, 95-96 e 96-97 a linha de três pontos passou
de 7,24 metros para 6,71 metros.
Apenas para que se entenda:
6,75 é a medida da WNBA.
Coincidência ou não, foi
nesses anos em que Michael Jordan teve seus maiores índices de acerto em toda
sua carreira. E na temporada 1997-98, quando as medidas originais foram retomadas,
MJ teve uma queda abrupta: chutou em 37,4% 96-97 e chutaria 23,8% em 97-98.
Por outro lado, Bryant
disputou muito mais jogos e algumas temporadas a mais que Jordan para chegar à
mesma pontuação. Kobe chegou à liga muito mais jovem (estreou aos 18, Jordan
aos 21), e Além disso, são épocas bastante distintas, os companheiros de equipe
são muito diferentes e também incomparáveis são os adversários que eles tiveram
de bater.
Jordan teve duas
aposentadorias (uma em 1993, outra em 1998) e ficou meses afastado por conta de
um pé quebrado, em 1986. Kobe teve sua primeira grande lesão na carreira
somente em 2013.
Mesmo pensando em todas essas pequenas observações, é uma façanha que, sim, precisa ser celebrada, afinal, Bryant está ultrapassando a marca de um homem que foi seu ídolo a vida toda e que, na opinião de muitos, foi o melhor da história desse esporte.
Recentemente, tanto Fernando
Alonso quanto Lewis Hamilton, ambos bicampeões mundiais de Fórmula 1, disseram
ansiar pelo terceiro título na categoria porque, antes de tudo, “essa foi a marca atingida por Ayrton Senna”.
E quem não se lembra da reação de Michael Schumacher ao igualar o número de vitórias de Senna na Fórmula 1?
E quem não se lembra da reação de Michael Schumacher ao igualar o número de vitórias de Senna na Fórmula 1?
Bryant, ao comentar o feito,
deu o tom de sua emoção: “Eu estaria
mentindo se dissesse que não significa nada” (Leia aqui a carta que ele escreveu). A ovação da torcida – Kobe
estava na terra do adversário! – e os abraços e aplausos de todos os jogadores
e comissão técnica de ambas as equipes dão ideia do significado da ocasião (algo
semelhante havia acontecido, 11 anos atrás, quando Michael Jordan superou WIlt
Chamberlain pela mesma terceira posição que Kobe lhe tomou).
Muito mais que a marca em si, porém,
esse é só mais um capítulo na interminável comparação entre Jordan e Bryant.
Se buscássemos entender o
significado do “duelo” Jordan vs. Kobe em outros universos, seria mais ou menos
como dizer que eles são Pelé e Maradona no futebol, ou Senna e Schumacher na
Fórmula 1: atletas de épocas distintas mas que, de alguma forma, tiveram
trajetórias bastante próximas e polarizaram fãs ao redor do planeta.
Ajudou, em todos os casos, a
progressiva ação da mídia: Pelé, Senna e Jordan atuaram períodos com grande
influência dos meios de comunicação de massa, mas num tempo em que a ação
destes era mais limitada e, de certa forma, monopolizada. Maradona já surge
numa época diferente (a mesma de Jordan e Senna, mas década e meia “mais jovem”
que a de Pelé), enquanto que Schumacher e Bryant pegariam toda a transição e
modelação do fenômeno internet.
Assim, há um embate: aqueles
que acompanharam Pelé-Senna-Jordan tinham muito menor acesso ao universo que os
cercava; nesse sentido, determinadas “verdades” tornam-se mais difíceis de
serem contestadas. Já Kobe, Schumacher e Maradona atuaram em períodos onde
foram muito mais vigiados, digamos.
Dessa forma, até mesmo os
grandes feitos obtidos por cada um deles passaram a ser relativizados e vistos
com um ceticismo irônico. Michael Jordan, em toda sua carreira, conseguiu como
máxima pontuação em uma partida os 69 pontos contra o Cleveland Cavaliers, em
1990. 16 anos depois, diante do Toronto Raptors, Kobe Bryant atingiria absurdos
81 – a segunda maior em quase 70 anos de NBA.
Uma das marcas registradas de
Michael Jordan, e parte daquilo que certamente povoa o imaginário de quem vê
nele um jogador insuperável, foi sua incrível capacidade de marcar as cestas finais nas partidas,
concedendo a vitória a seu time. Kobe teve o mesmo tipo de qualidade:
inclusive, já marcou mais “game-winners”
que Michael.
Kobe teve Shaq? Jordan teve
Pippen – um grande jogador que, por sinal, é muito desvalorizado. Kobe e Jordan
tiveram Phil Jackson como líderes. No fim, o que os diferencia é mesmo o número
de títulos: Jordan 6, Kobe 5.
Finalizo com uma frase de
ninguém menos que Magic Johnson: “Assim
como nunca mais veremos um jogador como Michael Jordan, nunca mais veremos
outro como Kobe Bryant”.
Respeito às duas lendas do
esporte. E gratidão por ter visto a carreira destes dois monstros.
Marcel Pilatti
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